quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

As atenuantes podem trazer a pena para aquém do mínimo legal - uma garantia constitucional

Por Prof. Cezar Roberto Bitencourt

O entendimento contrário à redução da pena para aquém do mínimo cominado partia de uma interpretação equivocada, que a dicção do atual art. 65 do Código Penal não autoriza. 

Com efeito, esse dispositivo determina que as circunstâncias atenuantes “sempre atenuam a pena”, independentemente de já se encontrar no mínimo cominado. É irretocável a afirmação de Carlos Caníbal quando, referindo-se ao art. 65, destaca que “se trata de norma cogente por dispor o Código Penal que ‘são circunstâncias que sempre atenuam a pena’... e — prossegue Caníbal — norma cogente em direito penal é norma de ordem pública, máxime quando se trata de individualização constitucional de pena”. A previsão legal, definitivamente, não deixa qualquer dúvida sobre sua obrigatoriedade, e eventual interpretação diversa viola não apenas o princípio da individualização da pena (tanto no plano legislativo quanto judicial) como também o princípio da legalidade estrita.

O equivocado entendimento de que “circunstância atenuante” não pode levar a pena para aquém do mínimo cominado ao delito partiu de interpretação analógica desautorizada, baseada na proibição que constava no texto original do parágrafo único do art. 48 do Código Penal de 1940 , não repetido, destaque-se, na Reforma Penal de 1984 (Lei n. 7.209/84). Ademais, esse dispositivo disciplinava uma causa especial de diminuição de pena — quando o agente quis participar de crime menos grave —, mas impedia que ficasse abaixo do mínimo cominado. De notar que nem mesmo esse diploma revogado (parte geral) estendia tal previsão às circunstâncias atenuantes, ao contrário do que entendeu a interpretação posterior à sua revogação. Lúcido, também nesse sentido, o magistério de Caníbal quando afirma: “É que estes posicionamentos respeitáveis estão, todos, embasados na orientação doutrinária e jurisprudencial anterior à reforma penal de 1984 que suprimiu o único dispositivo que a vedava, por extensão — e só por extensão — engendrada por orientação hermenêutica, que a atenuação da pena por incidência de atenuante não pudesse vir para aquém do mínimo. Isto é, se está raciocinando com base em direito não mais positivo” .

Ademais, naquela orientação, a nosso juízo superada, utilizava-se de uma espécie sui generis de interpretação analógica entre o que dispunha o antigo art. 48, parágrafo único, do Código Penal (parte geral revogada), que disciplinava uma causa especial de diminuição, e o atual art. 65, que elenca as circunstâncias atenuantes, todas estas de aplicação obrigatória. Contudo, a não aplicação do art. 65 do Código Penal, para evitar que a pena fique aquém do mínimo cominado, não configura, como se imagina, interpretação analógica, mas verdadeira analogia — vedada em direito penal — para suprimir um direito público subjetivo, qual seja a obrigatória (circunstância que sempre atenua a pena) atenuação de pena. Por outro lado, a analogia não se confunde com a interpretação analógica. A analogia, convém registrar, não é propriamente forma ou meio de interpretação, mas de aplicação da norma legal. A função da analogia não é, por conseguinte, interpretativa, mas integrativa da norma jurídica. Com a analogia procura-se aplicar determinado preceito ou mesmo os próprios princípios gerais do direito a uma hipótese não contemplada no texto legal, isto é, com ela busca-se colmatar uma lacuna da lei. Na verdade, a analogia não é um meio de interpretação, mas de integração do sistema jurídico. Nessa hipótese, que ora analisamos, não há um texto de lei obscuro ou incerto cujo sentido exato se procure esclarecer. Há, com efeito, a ausência de lei que discipline especificamente essa situação . Na verdade, equipararam-se coisas distintas, dispositivos legais diferentes, ou seja, artigo revogado (art. 48, parágrafo único) e artigo em vigor (art. 65); aquele se referia a uma causa de diminuição específica; este, às circunstâncias atenuantes genéricas, que são coisas absolutamente inconfundíveis; impossível, consequentemente, aplicar-se qualquer dos dois institutos, tanto da analogia quanto da interpretação analógica. A finalidade da interpretação é encontrar a “vontade” da lei, ao passo que o objetivo da analogia, contrariamente, é suprir essa “vontade”, o que, convenhamos, só pode ocorrer em circunstâncias carentes de tal vontade. 

Concluindo, o paralelo que poderia ser traçado limitar-se-ia ao que dispunha o art. 48, parágrafo único, na redação original do CP de 1940, com o art. 29, § 2º, da redação atual, pois ambos disciplinam a mesma situação: se o agente quis participar de crime menos grave — com a seguinte diferença: o dispositivo revogado adotava a responsabilidade objetiva, e o atual dá tratamento diferenciado ao desvio subjetivo de condutas; aquele proibia que a redução trouxesse a pena para aquém do mínimo cominado, ao passo que o atual determina expressamente que o agente responde pelo crime menos grave que quis cometer. Logo, tanto a analogia quanto a interpretação analógica são igualmente inaplicáveis .

Enfim, deixar de aplicar uma circunstância atenuante para não trazer a pena para aquém do mínimo cominado nega vigência ao disposto no art. 65 do CP, que não condiciona a sua incidência a esse limite, violando o direito público subjetivo do condenado à pena justa, legal e individualizada. Essa ilegalidade, deixando de aplicar norma de ordem pública, caracteriza uma inconstitucionalidade manifesta. Em síntese, não há lei proibindo que, em decorrência do reconhecimento de circunstância atenuante, possa ficar aquém do mínimo cominado. Pelo contrário, há lei que determina (art. 65), peremptoriamente, a diminuição da pena em razão de uma atenuante, sem condicionar seu reconhecimento a nenhum limite; e, por outro lado, reconhecê-la na decisão condenatória (sentença ou acórdão), somente para evitar nulidade, mas deixar de efetuar sua atenuação, é uma farsa, para não dizer fraude, que viola o princípio da reserva legal. Seria igualmente desabonador fixar a pena-base acima do mínimo legal, ao contrário do que as circunstâncias judiciais estão a recomendar, somente para simular, na segunda fase, o reconhecimento de atenuante, previamente conhecida do julgador. Não é, convenhamos, uma operação moralmente recomendável, beirando a falsidade ideológica.

Por fim, e a conclusão é inarredável, a Súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça, venia concessa, carece de adequado fundamento jurídico, afrontando, inclusive, os princípios da individualização da pena e da legalidade estrita .

Outro grande fundamento para admitir que as atenuantes possam trazer a pena para aquém do mínimo legal é principalmente a sua posição topográfica: são valoradas antes das causas de aumento e de diminuição; em outros termos, após o exame das atenuantes/agravantes, resta a operação valorativa das causas de aumento que podem elevar consideravelmente a pena-base ou provisória. Ademais, o texto atual do Código Penal (Lei n. 7.209/84) não apresenta qualquer empecilho que impossibilite o reconhecimento de qualquer atenuante, ainda que isso possa significar uma pena (base, provisória ou definitiva) inferior ao mínimo cominado no tipo penal.

Finalmente, quando houver duas qualificadoras, uma deverá ser valorada como tal e a outra deverá ser considerada como agravante genérica, desde que elencada tal circunstância, caso contrário deverá ser avaliada como circunstância judicial.

O Direito Revisto - Fev/13 
Publicado originalmente em: Prof. Cezar Roberto Bitencourt

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Regime de bens e divisão da herança: dúvidas jurídicas no fim do casamento

 Por STJ
 
Antes da celebração do casamento, os noivos têm a possibilidade de escolher o regime de bens a ser adotado, que determinará se haverá ou não a comunicação (compartilhamento) do patrimônio de ambos durante a vigência do matrimônio. Além disso, o regime escolhido servirá para administrar a partilha de bens quando da dissolução do vínculo conjugal, tanto pela morte de um dos cônjuges, como pela separação.

O instituto, previsto nos artigos 1.639 a 1.688 do Código Civil de 2002 (CC/02), integra o direito de família, que regula a celebração do casamento e os efeitos que dele resultam, inclusive o direito de meação (metade dos bens comuns) – reconhecido ao cônjuge ou companheiro, mas condicionado ao regime de bens estipulado.

A legislação brasileira prevê quatro possibilidades de regime matrimonial: comunhão universal de bens (artigo 1.667 do CC), comunhão parcial (artigo 1.658), separação de bens – voluntária (artigo 1.687) ou obrigatória (artigo 1.641, inciso II) – e participação final nos bens (artigo 1.672).

A escolha feita pelo casal também exerce influência no momento da sucessão (transmissão da herança), prevista nos artigos 1.784 a 1.856 do CC/02, que somente ocorre com a morte de um dos cônjuges.

Segundo o ministro Luis Felipe Salomão, da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), “existe, no plano sucessório, influência inegável do regime de bens no casamento, não se podendo afirmar que são absolutamente independentes e sem relacionamento, no tocante às causas e aos efeitos, esses institutos que a lei particulariza nos direitos de família e das sucessões”.

Regime legal
Antes da Lei 6.515/77 (Lei do Divórcio), caso não houvesse manifestação de vontade contrária, o regime legal de bens era o da comunhão universal – o cônjuge não concorre à herança, pois já detém a meação de todo o patrimônio do casal. A partir da vigência dessa lei, o regime legal passou a ser o da comunhão parcial, inclusive para os casos em que for reconhecida união estável (artigos 1.640 e 1.725 do CC).

De acordo com o ministro Massami Uyeda, da Terceira Turma do STJ, “enquanto na herança há substituição da propriedade da coisa, na meação não, pois ela permanece com seu dono”.

No julgamento do Recurso Especial (REsp) 954.567, o ministro mencionou que o CC/02, ao contrário do CC/1916, trouxe importante inovação ao elevar o cônjuge ao patamar de concorrente dos descendentes e dos ascendentes na sucessão legítima (herança). “Com isso, passou-se a privilegiar as pessoas que, apesar de não terem grau de parentesco, são o eixo central da família”, afirmou.

Isso porque o artigo 1.829, inciso I, dispõe que a sucessão legítima é concedida aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente (exceto se casado em regime de comunhão universal, em separação obrigatória de bens – quando um dos cônjuges tiver mais de 70 anos ao se casar – ou se, no regime de comunhão parcial, o autor da herança não tiver deixado bens particulares).

O inciso II do mesmo artigo determina que, na falta de descendentes, a herança seja concedida aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, independentemente do regime de bens adotado no casamento.

União estável
Em relação à união estável, o artigo 1.790 do CC/02 estabelece que, além da meação, o companheiro participa da herança do outro, em relação aos bens adquiridos na vigência do relacionamento.

Nessa hipótese, o companheiro pode concorrer com filhos comuns, na mesma proporção; com descendentes somente do autor da herança, tendo direito à metade do que couber ao filho; e com outros parentes, tendo direito a um terço da herança.

No julgamento do REsp 975.964, a ministra Nancy Andrighi, da Terceira Turma do STJ, analisou um caso em que a suposta ex-companheira de um falecido pretendia concorrer à sua herança. A ação de reconhecimento da união estável, quando da interposição do recurso especial, estava pendente de julgamento.

Consta no processo que o falecido havia deixado um considerável patrimônio, constituído de imóveis urbanos, várias fazendas e milhares de cabeças de gado. Como não possuía descendentes nem ascendentes, quatro irmãs e dois sobrinhos – filhos de duas irmãs já falecidas – seriam os sucessores.

Entretanto, a suposta ex-companheira do falecido moveu ação buscando sua admissão no inventário, ao argumento de ter convivido com ele, em união estável, por mais de 30 anos. Além disso, alegou que, na data da abertura da sucessão, estava na posse e administração dos bens deixados por ele.

Meação

De acordo com a ministra Nancy Andrighi, com a morte de um dos companheiros, entrega-se ao companheiro sobrevivo a meação, que não se transmite aos herdeiros do falecido. “Só então, defere-se a herança aos herdeiros do falecido, conforme as normas que regem o direito das sucessões”, afirmou.

Ela explicou que a meação não integra a herança e, por consequência, independe dela. “Consiste a meação na separação da parte que cabe ao companheiro sobrevivente na comunhão de bens do casal, que começa a vigorar desde o início da união estável e se extingue com a morte de um dos companheiros. A herança, diversamente, é a parte do patrimônio que pertencia ao companheiro falecido, devendo ser transmitida aos seus sucessores legítimos ou testamentários”, esclareceu.

Para resolver o conflito, a Terceira Turma determinou que a posse e administração dos bens que integravam a provável meação deveriam ser mantidos sob a responsabilidade da ex-companheira, principalmente por ser fonte de seu sustento, devendo ela requerer autorização para fazer qualquer alienação, além de prestar contas dos bens sob sua administração.

Regras de sucessão

A regra do artigo 1.829, inciso I, do CC, que regula a sucessão quando há casamento em comunhão parcial, tem sido alvo de interpretações diversas. Para alguns, pode parecer que a regra do artigo 1.790, que trata da sucessão quando há união estável, seja mais favorável.

No julgamento do REsp 1.117.563, a ministra Nancy Andrighi afirmou que não é possível dizer, com base apenas nas duas regras de sucessão, que a união estável possa ser mais vantajosa em algumas hipóteses, “porquanto o casamento comporta inúmeros outros benefícios cuja mensuração é difícil”.

Para a ministra, há uma linha de interpretação, a qual ela defende, que toma em consideração a vontade manifestada no momento da celebração do casamento, como norte para a interpretação das regras sucessórias.

Companheira e filha
No caso específico, o autor da herança deixou uma companheira, com quem viveu por mais de 30 anos, e uma filha, fruto de casamento anterior. Após sua morte, a filha buscou em juízo a titularidade da herança.

O juiz de primeiro grau determinou que o patrimônio do falecido, adquirido na vigência da união estável, fosse dividido da seguinte forma: 50% para a companheira (correspondente à meação) e o remanescente dividido entre ela e a filha, na proporção de dois terços para a filha e um terço para a companheira.

Para a filha, o juiz interpretou de forma absurda o artigo 1.790 do CC, “à medida que concederia à mera companheira mais direitos sucessórios do que ela teria se tivesse contraído matrimônio, pelo regime da comunhão parcial”.

Ao analisar o caso, Nancy Andrighi concluiu que, se a companheira tivesse se casado com o falecido, as regras quanto ao cálculo do montante da herança seriam exatamente as mesmas.

Ou seja, a divisão de 66% dos bens para a companheira e de 33% para a filha diz respeito apenas ao patrimônio adquirido durante a união estável. “O patrimônio particular do falecido não se comunica com a companheira, nem a título de meação, nem a título de herança. Tais bens serão integralmente transferidos à filha”, afirmou.

De acordo com a ministra, a melhor interpretação do artigo 1.829, inciso I, é a que valoriza a vontade das partes na escolha do regime de bens, mantendo-a intacta, tanto na vida quanto na morte dos cônjuges.

“Desse modo, preserva-se o regime da comunhão parcial de bens, de acordo com o postulado da autodeterminação, ao contemplar o cônjuge sobrevivente com o direito à meação, além da concorrência hereditária sobre os bens comuns, haja ou não bens particulares, partilháveis estes unicamente entre os descendentes”, mencionou.

Vontade do casal
Para o desembargador convocado Honildo Amaral de Mello Castro (já aposentado), “não há como dissociar o direito sucessório dos regimes de bens do casamento, de modo que se tenha após a morte o que, em vida, não se pretendeu”.

Ao proferir seu voto no julgamento de um recurso especial em 2011 (o número não é divulgado em razão de segredo judicial), ele divergiu do entendimento da Terceira Turma, afirmando que, se a opção feita pelo casal for pela comunhão parcial de bens, ocorrendo a morte de um dos cônjuges, ao sobrevivente é garantida somente a meação dos bens comuns – adquiridos na vigência do casamento.

No caso, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal reformou sentença de primeiro grau para permitir a concorrência, na sucessão legítima, entre cônjuge sobrevivente, casado em regime de comunhão parcial, e filha exclusiva do de cujus (autor da herança), sobre a totalidade da herança.

A menor, representada por sua mãe, recorreu ao STJ contra essa decisão, sustentando que, além da meação, o cônjuge sobrevivente somente concorre em relação aos bens particulares do falecido, conforme a decisão proferida em primeiro grau.

Interpretação
Para o desembargador Honildo Amaral, em razão da incongruência da redação do artigo 1.829, inciso I, do CC/02, a doutrina brasileira possui correntes distintas acerca da interpretação da sucessão do cônjuge casado sob o regime de comunhão parcial de bens.

Em seu entendimento, a decisão que concedeu ao cônjuge sobrevivente, além da sua meação, direitos sobre todo o acervo da herança do falecido, além de ferir legislação federal, desrespeitou a autonomia de vontade do casal quando da escolha do regime de comunhão parcial de bens.

O desembargador explicou que, na sucessão legítima sob o regime de comunhão parcial, não há concorrência em relação à herança, nem mesmo em relação aos bens particulares (adquiridos antes do casamento), visto que o cônjuge sobrevivente já está amparado pela meação. “Os bens particulares dos cônjuges são, em regra, incomunicáveis em razão do regime convencionado em vida pelo casal”, afirmou.

Apesar disso, ele mencionou que existe exceção a essa regra. Se inexistentes bens comuns ou herança a partilhar, e o falecido deixar apenas bens particulares, a concorrência é permitida, “tendo em vista o caráter protecionista da norma que visa não desamparar o sobrevivente nessas situações excepcionais”.

Com esse entendimento, a Quarta Turma conheceu parcialmente o recurso especial e, nessa parte, deu-lhe provimento. O desembargador foi acompanhado pelos ministros Luis Felipe Salomão e João Otávio de Noronha.

Contra essa decisão, há embargo de divergência pendente de julgamento na Segunda Seção do STJ, composta pelos ministros da Terceira e da Quarta Turma.

Proporção do direito
É possível que a companheira receba verbas do trabalho pessoal do falecido por herança? Em caso positivo, concorrendo com o único filho do de cujus, qual a proporção do seu direito?

A Quarta Turma do STJ entendeu que sim. “Concorrendo a companheira com o descendente exclusivo do autor da herança – calculada esta sobre todo o patrimônio adquirido pelo falecido durante a convivência –, cabe-lhe a metade da quota-parte destinada ao herdeiro, vale dizer, um terço do patrimônio do de cujus”, afirmou o ministro Luis Felipe Salomão em julgamento de 2011 (recurso especial que também tramitou em segredo).

No caso analisado, a herança do falecido era composta de proventos e diferenças salariais, resultado do seu trabalho no Ministério Público, não recebido em vida. Após ser habilitado como único herdeiro necessário, o filho pediu em juízo o levantamento dos valores deixados pelo pai.

O magistrado indeferiu o pedido, fundamentando que a condição de único herdeiro necessário não estava comprovada, visto que havia ação declaratória de união estável pendente. O tribunal estadual entendeu que, se fosse provada e reconhecida a união estável, a companheira teria direito a 50% do valor da herança.

Distinção
O ministro Salomão explicou que o artigo 1.659, inciso VI, do CC, segundo o qual, os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge ficam excluídos da comunhão, refere-se ao regime de comunhão parcial de bens.

Ele disse que o dispositivo não pode ser interpretado de forma conjunta com o disposto no artigo 1.790, inciso II, do CC/02, que dispõe a respeito da disciplina dos direitos sucessórios na união estável.

Após estabelecer a distinção dos dispositivos, ele afirmou que o caso específico correspondia ao direito sucessório. Por essa razão, a regra do artigo 1.659, inciso VI, estaria afastada, cabendo à companheira um terço do valor da herança.

Separação de bens
Um casal firmou pacto antenupcial em 1950, no qual declararam que seu casamento seria regido pela completa separação de bens. Dessa forma, todos os bens, presentes e futuros, seriam incomunicáveis, bem como os seus rendimentos, podendo cada cônjuge livremente dispor deles, sem intervenção do outro.

Em 2001, passados mais de 50 anos de relacionamento, o esposo decidiu elaborar testamento, para deixar todos os seus bens para um sobrinho, firmando, entretanto, cláusula de usufruto vitalício em favor da esposa.

O autor da herança faleceu em maio de 2004, quando foi aberta sua sucessão, com apresentação do testamento. Quase quatro meses depois, sua esposa faleceu, abrindo-se também a sucessão, na qual estavam habilitados 11 sobrinhos, filhos de seus irmãos já falecidos.

Nova legislação
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro reformou a sentença de primeiro grau para habilitar o espólio da mulher no inventário dos bens do esposo, sob o fundamento de que, como as mortes ocorreram na vigência do novo Código Civil, prevaleceria o novo entendimento, segundo o qual o cônjuge sobrevivente é equiparado a herdeiro necessário, fazendo jus à meação, independentemente do regime de bens.

No REsp 1.111.095, o espólio do falecido sustentou que, no regime da separação convencional de bens, o cônjuge sobrevivente jamais poderá ser considerado herdeiro necessário. Alegou que a manifestação de vontade do testador, feita de acordo com a legislação vigente à época, não poderia ser alterada pela nova legislação.

O ministro Fernando Gonçalves (hoje aposentado) explicou que, baseado em interpretação literal da norma do artigo 1.829 do CC/02, a esposa seria herdeira necessária, em respeito ao regime de separação convencional de bens.

Entretanto, segundo o ministro, essa interpretação da regra transforma a sucessão em uma espécie de proteção previdenciária, visto que concede liberdade de autodeterminação em vida, mas retira essa liberdade com o advento da morte.

Para ele, o termo “separação obrigatória” abrange também os casos em que os cônjuges estipulam a separação absoluta de seus patrimônios, interpretação que não conflita com a intenção do legislador de corrigir eventuais injustiças e, ao mesmo tempo, respeita o direito de autodeterminação concedido aos cônjuges quanto ao seu patrimônio.

Diante disso, a Quarta Turma deu provimento ao recurso, para indeferir o pedido de habilitação do espólio da mulher no inventário de bens deixado pelo seu esposo.

O Direito Revisto - Fev/13
http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=107528
Imagem: Google

A tragédia de Santa Maria: questões penais e processuais

Por Prof. Vladimir Aras

Diante das especulações sobre as possíveis soluções jurídicas para a terrível tragédia que se abateu sobre Santa Maria/RS em janeiro de 2013 (237 mortos e incontáveis feridos), segue uma análise do evento, mediante perguntas e respostas quanto à sua investigação e à responsabilização judicial dos eventuais culpados, que só o devido processo legal poderá dizer quem são.

Para evitar incompreensões, esclareço que este post tem propósito exclusivamente didático – é endereçado aos meus alunos, para fomentar o debate acadêmico e estimular a curiosidade científica. Não tenho a pretensão de resolver o caso nem quero me imiscuir no trabalho do Ministério Público do Rio Grande do Sul, instituição que merece toda a confiança da sociedade brasileira. Tampouco pretendo influenciar quem quer que seja, ou adivinhar a decisão do Poder Judiciário gaúcho, ou antecipar condenações desta ou daquela pessoa, antes que a defesa se manifeste e o contraditório se instale. Este blog não é tribunal e o presente post é só um despretensioso estudo acadêmico de cenários possíveis. Como disse Jânio de Freitas em sua coluna de 31/jan na Folha: “Com licença, outro palpite“. Nada mais. Então vamos lá.

1. Será possível determinar o número de clientes na boate na noite do fato?
Este parece ser um dos pontos mais importantes ainda em aberto na investigação: quantas pessoas estavam na Kiss? A superlotação do estabelecimento pode ser determinante para a responsabilidade civil e criminal dos donos da festa.
O anunciado desaparecimento da caixa registradora dificultou o trabalho da Polícia. Tal conduta, se tiver sido praticada pelos donos da boate ou por alguém a mando deles, pode caracterizar o crime de fraude processual (art. 347, único, do CP), punido com detenção de 6 meses a 4 anos (pena em dobro), pois a inovação produziu efeito em feito criminal. Este crime é de ação penal pública incondicionada e, se provada sua prática, será julgado em conjunto com a questão principal.
No entanto, a falta dessa máquina registradora ou dos computadores (que também teriam sumido) não impedirá estimar o número de presentes na boate. Além do óbvio recurso à prova testemunhal e o recolhimento das comandas utilizadas na festa, várias diligências podem ser realizadas pela Polícia e/ou pelo Ministério Público para chegar-se a este dado. A mais óbvia já foi anunciada pela Polícia: redes sociais serão vasculhadas à procura de imagens postadas pelos clientes antes do incêndio ou durante ele. Celulares serão periciados em busca de imagens ou vídeos do evento. As companhias telefônicas poderão ser notificadas a informar quantos chips diferentes foram ativados na área da boate naquela noite. Em breve, saberemos com razoável margem de certeza quantas pessoas estavam na casa de shows.

2. Qual a imputação criminal mais provável contra os responsáveis pela tragédia?
Este tema não é nada fácil. Mas o Ministério Público do Rio Grande do Sul saberá enfrentá-lo. As opções possíveis são as quatro seguintes. Listo as mais prováveis primeiro:
a) incêndio culposo (por negligência, imprudência ou imperícia) com resultado morte (art. 250, §2º c/c o art. 258 do CP). A pena aqui vai de 1 ano e 4 meses a 4 anos de detenção. O crime é único, independentemente do número de vítimas. É crime de perigo comum, de competência do juízo singular; ou
b) incêndio doloso (dolo eventual) com resultado morte (art. 250, caput, c/c o art. 258 do CP). Nesta modalidade, a pena vai de 3 a 6 anos, aplicando-se em dobro em função do resultado morte. Ou seja, pode ir de 6 a 12 anos de reclusão e multa, pena semelhante à do homicídio simples. O crime é único, e a competência é do juízo singular; ou
c) lesões corporais culposas e homicídios culposos (não intencionais), em concurso formal (art. 70, caput, do CP), este com pena de 1 a 3 anos de detenção, aumentada de um sexto até a metade. Com isto, a sanção final pode chegar a 4 anos e 6 meses de detenção. Ainda se pode cogitar da causa especial de aumento do §4º do art. 121 do CP, por inobservância de regra técnica, o que elevaria a pena em mais um terço. O homicídio culposo é crime contra a vida de competência do juízo singular. Não vai a júri. O delito de lesão corporal culposa exige representação das vítimas (art. 88 da Lei 9.099/95).
d) a hipótese de homicídio simples doloso do art. 121, caput, do CP (com dolo eventual) também é possível, mas pouco provável. Tese juridicamente impossível seria imputação por genocídio, por crime contra a humanidade ou algo do tipo. Estas sim seriam teses absurdas. A teorização quanto ao homicídio simples doloso (a forma qualificada está, ao que parece, fora de cogitação) não é aberrante, mas é de difícil comprovação em casos como este. A pena na modalidade simples vai de 6 a 20 anos de reclusão, podendo ser aumentada de um sexto até a metade, se admitido o concurso formal próprio (art. 70, CP). Assim, os réus desafiariam sanção de 7 a 30 anos. A competência seria do tribunal do júri.
e) o homicídio qualificado (crime hediondo), previsto no art. 121, §2º, do CP, em concurso formal (art. 70 do CP), espécie punida com reclusão de 12 a 30 anos. É crime de competência do tribunal do júri e a hipótese menos provável, embora não impossível.
Repito: o fato de uma tese acusatória ser possível, não quer dizer que ela seja factível, ou a mais correta, ou a mais compatível com o quadro probatório. Sem provas cabais do elemento subjetivo, a sustentação de imputação de homicídio doloso em juízo, especialmente nos tribunais superiores, teria poucas chances de êxito, devido à inescapável distinção a ser feita entre dolo eventual (que inspira a conduta de quem assume o risco de produzir um resultado e é indiferente a ele) e a culpa (negligência, imprudência, imperícia, de quem não quer o resultado nem assume o risco de produzi-lo), ainda que na sua forma consciente (culpa com previsão).
Assim, entre as teses possíveis no evento de Santa Maria, as mais plausíveis são as que lidam com o tipo do arts. 250 e 258 do CP: crime de perigo comum (incêndio qualificado pelo resultado morte).

3. Dolo eventual ou culpa consciente?
Este tema está longe da unanimidade. Portanto, desconfie de suas próprias certezas e dos advinhos que afirmam categoricamente – como se tivessem bola de cristal – que teria havido mera culpa consciente ou de que o caso seria de evidente dolo eventual. Não deve haver espaço para discursos inquisitórios punitivistas (lei e ordem) nem para o laxismo alienado (coitadismo penal). Nenhuma dessas lógicas serve à sociedade e ao Estado de Direito.
Segundo Assis Toledo, “A culpa consciente limita-se com o dolo eventual (CP, art. 18, I, in fine). A diferença é que na culpa consciente o agente não quer o resultado nem mesmo assume deliberadamente o risco de produzi-lo. Apesar de sabê-lo possível, acredita sinceramente poder evitá-lo, o que só não acontece com erro de cálculo ou por erro na execução. No dolo eventual o agente não só prevê o resultado danoso como também o aceita como uma das alternativas possíveis.” (Princípios Básicos de Direito Penal).
Damásio de Jesus ensina que na culpa consciente, também denominada “negligência consciente”, o “resultado é previsto pelo sujeito, que confia levianamente que não ocorra, que haja uma circunstância impeditiva ou que possa evitá-lo”.
Para acusar alguém por dolo eventual, o Ministério Público deve provar inequivocamente que o agente previu o resultado (mortes), aceitou-o e agiu com indiferença em relação a tal resultado (mortes). Sem previsibilidade, aceitação e indiferença não há dolo eventual.
Como reconhecer o dolo eventual? –, pergunta Nelson Hungria em seus Comentários. A resposta é dele mesmo: “Desde que não é possível pesquisá-lo no ‘foro íntimo’ do agente, tem-se de inferi-lo dos elementos e circunstâncias do fato externo. O fim do agente, se traduz, de regra, no seu ato“. Assim, somente a análise dos dados da realidade, dos indicadores objetivos apurados no inquérito e na ação penal, permitirá ao Ministério Público e ao Judiciário aferir o elemento subjetivo dos agentes, partindo do pressuposto de que os suspeitos são pessoas normais, e não insensíveis morais ou psicopatas.
A casuística mostra como é difícil distinguir a culpa consciente (com previsão) do dolo eventual.
Em dezembro de 2004, a Argentina viveu tragédia semelhante à de Santa Maria: o incêndio na boate República Cromañon, que resultou em 194 mortes. A ação penal foi resolvida em primeira instância com condenação dos agentes por incêndio doloso qualificado pelo resultado. Na página 2857 da sentença, os três magistrados do Tribunal Criminal n. 24 de Buenos Aires registraram: “En suma, creemos haber fundado el juicio de subsunción del tipo de incendio doloso seguido de muerte en todos sus aspectos respecto de las omisiones de Omar Chabán y Diego Marcelo Argañaraz (art. 186 inciso 5to. del Código Penal).” Este artigo dispõe:
Art. 186. El que causare incendio, explosion o inundación será reprimido:
5º. Con reclusión o prisión de ocho a veinte años, si el hecho fuere causa inmediata de la muerte de alguna persona.”
Porém, em grau recursal, a sentença contra os donos da boate portenha foi modificada para incêndio culposo seguido de morte, delito previsto no art. 189 do CP argentino, punido com pena de prisão de 1 mês a 5 anos.
Debate similar sobre culpa consciente versus dolo eventual esteve presente noutro caso de grande repercussão no Brasil: a morte do índio Galdino dos Santos, dos Pataxó, imolado por cinco jovens brasilienses em abril de 1997, quando dormia na rua. Mais de 90% do seu corpo foi queimado, numa “brincadeira”, conforme os acusados descreveram o crime. Devido aos contornos do fato e à conduta dos agentes, prevaleceu a tese do homicídio intencional, reconhecida pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal, em recurso interposto pelo Ministério Público contra a decisão da juíza Sandra de Santis. A julgadora desclassificara o crime e admitira a hipótese de lesão corporal seguida de morte. Ao final, com a reversão da desclassificação, os maiores de idade foram julgados pelo tribunal do júri de Brasília e condenados por homicídio qualificado. Um parecer de Damásio de Jesus sobre a diferenciação entre dolo eventual e culpa consciente foi utilizado pelo MPDFT no recurso em sentido estrito.
Tal dilema também é recorrente nos casos de homicídio no trânsito, quando o agente conduz veículo automotor e mata outrem. Exemplo recente é o do ex-deputado estadual Luiz Fernando Ribas Carli Filho, do Paraná, acusado da morte de dois jovens em Curitiba em 2009, em virtude de uma colisão. A acusação que pesa contra ele é de duplo homicídio doloso com dolo eventual, em função da suposta embriaguez ao volante e da alta velocidade em área urbana. Em 31/jan, o Tribunal de Justiça do Paraná confirmou que esse réu irá a júri popular .

4. É possível cumular a acusação de incêndio qualificado pelo resultado morte com a de homicídio?
Creio que não. Aparentemente, por ação ou omissão, os suspeitos deram causa a um incêndio que resultou em várias mortes. O critério de especialidade importaria a aplicação do art. 250 do CP (incêndio) combinado com o art. 258 do mesmo código (resultado morte), seja por preterdolo ou por culpa.
Em prevalecendo a tese de incêndio na forma qualificada pelo resultado, não incide o concurso formal (art. 70, CP) e muito menos o concurso material (art. 69, CP). O crime é único.
Há divergência doutrinária neste ponto. Mas vejamos o que o STF decidiu em 1995 na Extradição 654, solicitada pelos Estados Unidos. O extraditando fora acusado de incêndio doloso com resultado morte e quatro homicídios autônomos (os mesmos que resultaram do incêndio). O STF deferiu sua extradição em parte, decotando da imputação os homicídios autônomos. Restou apenas a acusação de incêndio doloso, correspondente ao art. 250 do CP brasileiro, c/c o art. 258. Eis a ementa:
“Extradição. 2. Cidadão americano denunciado, perante o Tribunal Superior do Condado de King, Seattle, Estado de Washington, usa, como autor de quatro crimes de homicídio de primeiro grau, “ao cometer e procurar cometer o delito de incêndio criminoso do primeiro grau, e no decorrer da pratica desse delito, e para facilitá-lo, bem como na sua fuga imediata após praticá-lo”, sendo posteriormente aditada a denuncia para acusar o extraditando por incêndio criminoso do primeiro grau, de igual modo, crime doloso da classe ‘A’. 3. Para efeito da dupla tipicidade dos fatos, com vistas à extradição, a maioria do tribunal decidiu que a hipótese e de incêndio criminoso do primeiro grau, segundo o direito do Estado requerente, a que corresponde à figura do delito de incêndio doloso definida no art. 250 do Código Penal brasileiro, combinado com seu paragrafo 1º, inciso I, e com o art. 258 do mesmo código, pelo resultado morte de quatro pessoas. 4. Em consequência disso, a decisão da maioria do Tribunal não teve, diante do quadro descrito, como configurada hipótese de incêndio criminoso do primeiro grau, somado a quatro homicídios do primeiro grau autônomos. 5. O Tribunal deferiu, desse modo, por maioria de votos, em parte, a extradição requerida, pelo delito de incêndio criminoso do primeiro grau, com os resultados que teve de quatro mortes e suas consequências segundo a lei norte-americana; porém, sem a acusação agregada de quatro crimes de primeiro grau. 6. A minoria do Tribunal, de acordo com o voto do relator, deferia a extradição, nos termos do pedido formulado pelo Estado requerente, para que o extraditando pudesse ser processado e julgado, na conformidade da denúncia e seu aditamento, segundo a lei americana, sem estabelecer qualquer ressalva. 7. A decisão da Corte, por último, não prevê qualquer restrição quanto a possibilidade da prisão perpétua.”
(Ext 654, relator Min. Néri da Silveira, Tribunal pleno, julgado em 30/11/1995).
Ao julgar pedidos extradicionais – de acordo com os arts. 5º, incisos LI e LII, e 102, inciso I, letra `g`, da CF e com a Lei 6.815/80 (Estatuto do Estrangeiro), cumpre ao STF, entre outras tarefas próprias do juízo de delibação (e não de mérito), examinar a presença do requisito da dupla tipicidade, não sendo exigível a identidade de nomenclatura das espécies delitivas nas duas jurisdições. Nesta atividade, é comum que a Corte negue extradições por faltar a dupla incriminação. Pode também o Tribunal restringir o deferimento de extradições para garantir a perfeita acomodação típica da conduta descrita pelo Estado estrangeiro à legislação penal brasileira, em obediência aos princípios da legalidade e da especialidade. Em suma, o que importa não é a classificação dada pelo Estado estrangeiro aos fatos objeto do pedido de extradição, mas a narrativa ali presente, de acordo com o brocardo narra mihi factum dabo tibi ius.
Na Ext 654/EUA, com base nos votos da maioria formada pelos ministros Francisco Rezek, Marco Aurélio, Carlos Velloso, Maurício Corrêa, Celso de Mello e Sepúlveda Pertence, o STF indeferiu a entrega do foragido para responder por quatro homicídios autônomos justamente porque tais mortes não eram de fato delitos que se cumulavam com o incêndio. Dito de outro modo: as mortes dos bombeiros foram decorrência direta do incêndio doloso, e nisto se completou a conduta, que encontra sua inteira recriminação no art. 250 c/c o art. 258 do CP, não se cogitando do concurso formal. Aliás, é exatamente neste ponto que tal julgado interessa ao caso de Santa Maria, pois nele – não sei se acertadamente ou não, e tal como se deu nos tribunais argentinos no episódio da boate República Cromañon - a Suprema Corte brasileira excluiu tanto o concurso material (art. 69) como o formal (art. 70, CP) entre o incêndio e os homicídios dele resultantes.
Cumular o resultado morte no incêndio (imputável por preterdolo ou culpa) com 237 homicídios autônomos acarretaria bis in idem.

Diversa seria a solução se o agente causasse um incêndio com a finalidade de matar outrem. Se, além de matar a vítima, o suspeito provocar perigo comum e expuser a risco a incolumidade pública, responderá pelo incêndio em concurso formal (art. 70, CP) com o delito de homicídio.
Também haverá cumulação, desta feita em concurso material (art. 69 do CP), se o agente matar a vítima e depois, em desígnio autônomo, provocar um incêndio para ocultar as provas do homicídio.

5. Os suspeitos devem responder por ação ou omissão?
Depende da posição de cada um deles no episódio: donos da festa, seguranças, músicos, produtor da banda e funcionários públicos. Há aqueles que podem responder por ação. É o caso das pessoas que utilizaram o artefato pirotécnico, por exemplo.
Outros podem ser responsabilizados por omissão, com base no art. 13, §2º, do CP, que cuida da relevância causal da omissão. Este dispositivo equipara a omissão à ação. Aqueles que se omitiram nos seus deveres legais ou contratuais, podem ser responsabilizados criminalmente como causadores das mortes e das lesões, pois assumiram a posição de “garantes” (ou garantidores) da não ocorrência do resultado. Tais pessoas descumpriram o dever jurídico de agir a tempo para impedir o resultado lesivo. Podendo agir e não o fazendo, são considerados seus causadores. É o que se chama de crime comissivo por omissão, ou delito omissivo impróprio.
Segundo Paulo Queiroz, os pressupostos desta excepcional imputação são: a) posição de garante e, portanto, o dever de agir para evitar o resultado; b) a possibilidade de agir; e c) a causação de um resultado imputável ao omitente. Ele próprio critica a regra, que denomina de “cláusula geral vaga e antigarantista”, tachando-a de inconstitucional diante dos princípios da legalidade penal, da proporcionalidade da pena e de sua pessoalidade. Lembro, contudo, que outras democracias admitem os crimes omissivos impróprios. Exemplos são a Alemanha e a Argentina.

6. Cabe prisão preventiva no caso da boate Kiss?
Em regra, não cabe prisão preventiva nos crimes culposos.
Somente se for possível sustentar a improvável tese de homicídio doloso (com dolo eventual) ou se vier a acusação de crime de incêndio doloso, é que será cabível a custódia cautelar no caso de Santa Maria, desde que presentes os demais requisitos dos arts. 312 e 313 do CPP.
Porém, excepcionalmente, há quem defenda ser possível a prisão preventiva nos crimes culposos. Isto ocorreria no caso do art. 366 do CPP (réu revel citado por edital e que não comparece em juízo nem constitui defensor); e também na hipótese de descumprimento de medida cautelar pessoal anteriormente fixada (art. 282, §4º, c/c o art. 312, parágrafo único, CPP); ou ainda na hipótese de dúvida quanto à identificação civil do suspeito (art. 313, único, do CPP).
Esta última é a posição de Andrey Borges de Mendonça. O prof. Renato Marcão também é um dos que sustenta o cabimento da preventiva em crime culposo “por descumprimento injustificado de cautelares restritivas, independentemente da satisfação dos requisitos do art. 313, I e II, do CPP, pois, do contrário, o sistema de cautelares pessoais cairia no ridículo, a tal ponto de restar impossível qualquer consequência jurídica àquele que deixasse solenemente de pagar a fiança fixada e também deixasse de cumprir medida cautelar restritiva fixada por ocasião da liberdade provisória concedida”.
No caso em tela, se culposo o delito (incêndio ou homicídio) não haverá lugar para a prisão preventiva, salvo para quem admite as exceções acima listadas.
De todo modo, a custódia preventiva é sempre medida excepcional, não podendo servir como antecipação de pena, uma vez que o réu, por pior que seja o seu crime, tem direito à presunção de inocência.

7. Cabe prisão temporária neste caso?
A Lei 7.960/89 regula a prisão temporária, cabível por 5 dias, prorrogáveis por igual período, nos crimes comuns nela listados, ou por até 30 dias, também prorrogáveis, nos crimes hediondos (art. 2º, §4º da Lei 8.072/90).
Somente é possível a temporária nos crimes listados na Lei 7.960/89. O único delito compatível com a tragédia de Santa Maria que ali se vê é o homicídio doloso. Não se pode impor tal custódia no homicídio culposo nem no crime de incêndio (seja culposo ou doloso), porque nenhuma destas infrações penais consta do rol do artigo 1º, inciso III, da Lei, que tem rol taxativo.
Assim, é evidente que a 1ª Vara Criminal de Santa Maria acolheu pedido da Polícia ou do Ministério Público de prisão temporária de quatro suspeitos com base na suspeita de que os agentes presos (os donos da boate, o cantor e o produtor da banda) teriam cometido 237 homicídios dolosos em concurso formal. Como disse, é uma tese possível, mas de sucesso pouco provável nas instâncias superiores, diante do quadro doutrinário e da concepção pretoriana prevalente. E é sem dúvida uma opção motivada pelo clamor público. Mas nem por isso esta hipótese é descartável. Só a prova dos autos dirá.
Mais surpreendente é que, em 01/fev, a Justiça gaúcha prorrogou a prisão temporária dos quatro suspeitos por mais 30 dias. Disto, pode-se deduzir que agora o caso da boate Kiss está sendo conduzido pela Polícia como se fosse homicídio doloso qualificado (crime hediondo) (!), porque somente nas infrações arroladas na Lei 8.072/90 é viável a prisão temporária com tal prazo.
Na lista do art. 1º da Lei dos Crimes Hediondos e nas infrações equiparadas, o único delito que guarda alguma proximidade com a tragédia de Santa Maria é o homicídio qualificado do art. 121, §2º, CP, hipótese de configuração improvável. Teríamos um homicídio qualificado com dolo eventual. Que qualificadora seria esta? Delito praticado mediante emprego de fogo ou asfixia? Delito praticado por motivo torpe? Delito praticado mediante recurso que dificultou a defesa das vítimas? Não consigo ainda admitir esta solução, diante do cenário até agora desenhado, e não será surpresa se o TJ/RS conceder habeas corpus aos presos para cassar a temporária antes do trintídio.
Entretanto, no ponto, os tribunais superiores são contraditórios. A jurisprudência do STJ assenta de forma pacífica que o dolo eventual é compatível com as qualificadoras do homicídio (art. 121, §2º, CP):
HABEAS CORPUS. PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. ART. 121, § 2.º, INCISO IV, DO CÓDIGO PENAL. “RACHA”. QUALIFICADORA DO RECURSO QUE DIFICULTOU OU TORNOU IMPOSSÍVEL A DEFESA DA VÍTIMA. COMPATIBILIDADE COM O DOLO EVENTUAL. PRECEDENTES DESTA CORTE.
1. Consoante já se manifestou esta Corte Superior de Justiça, a qualificadora prevista no inciso IV do § 2.º do art. 121 do Código Penal é, em princípio, compatível com o dolo eventual, tendo em vista que o agente, embora prevendo o resultado morte, pode, dadas as circunstâncias do caso concreto, anuir com a sua possível ocorrência, utilizando-se de meio que surpreenda a vítima. Precedentes.
2. Na hipótese, os réus, no auge de disputa automobilística em via pública, não conseguiram efetuar determinada curva, perderam o controle do automóvel e o ora Paciente atingiu, de súbito, a vítima, colidindo frontalmente com a sua motocicleta, ocasionando-lhe a morte.
3. Nesse contexto, não há como afastar, de plano, a qualificadora em questão, uma vez que esta não se revela, de forma incontroversa, manifestamente improcedente.
4. Ordem denegada. (STJ, 5ª Turma, HC 120.175/SC, rel. min. Laurita Vaz, julgado em 02/mar/2010)
para o STF, haveria incompatibilidade, como se vê no HC 95.136/PR, julgado em 2011. Naquele caso, o paciente foi pronunciado por dirigir veículo em alta velocidade e atropelar um casal de pedestres sobre a calçada. A Corte concluiu pela falta do “dolo específico, imprescindível à configuração da citada qualificadora” e determinou sua exclusão da sentença condenatória:
HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO PELO MODO DE EXECUÇÃO E DOLO EVENTUAL. INCOMPATIBILIDADE. Ordem concedida. O dolo eventual não se compatibiliza com a qualificadora do art. 121, § 2º, inc. IV, do CP (“traição, emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido”). Precedentes. Ordem concedida. (STF, 2ª Turma, HC 95.136/PR, rel. Joaquim Barbosa, j. em 1º/mar/2011).
O precedente que informou tal julgado é o HC 86163/SP (STF, 2ª Turma, rel. Gilmar Mendes, j. em 22/nov/2005), relatado pelo ministro Gilmar Mendes, que entendeu ser manifesta a incompatibilidade entre o dolo eventual, que“implica numa mera aceitação de um resultado possível – e a qualificadora do recurso que impossibilita a defesa da vítima, a qual reclama um preordenamento do agente à conduta criminosa”. No HC 111.442/RS, (2ª Turma, j. 28/08/2012, rel. min. Gilmar Mendes), o STF voltou a afirmar a impossibilidade de conjunção entre o dolo eventual e a qualificadora do inciso IV, do §2 do art. 121 do CP.
Porém, no RHC 92571/DF (STF, 2ª Turma, rel. Celso de Mello, j. em 30/jun/2009), a Corte entendeu ser compatível o dolo eventual com a qualificadora do motivo torpe.

8. São cabíveis medidas cautelares pessoais distintas da prisão?
Sim, mesmo quando culposo o crime, os suspeitos ou réus podem sujeitar-se a medidas cautelares pessoais diversas da prisão, aquelas previstas nos arts. 319 e 320 do CPP. São exemplos a fiança, o monitoramento eletrônico, a proibição de ausentar-se da comarca por determinado período, a proibição de deixar o País (combinada com o recolhimento de passaporte), o recolhimento domiciliar, a suspensão do exercício de função pública ou atividade; etc.
Cabe ao Ministério Público requerer ao juiz criminal a imposição de uma ou mais de uma dessas medidas cautelares, observando critérios de necessidade e adequação. Tais restrições são preferíveis à prisão. Esta só deve ser decretada em último caso e, substancialmente, nos crimes dolosos.

9. Os suspeitos, se condenados, vão para a cadeia?
A pena privativa de liberdade é um fetiche para muitos. Nem sempre a prisão é necessária. Oxalá um dia possamos nos livrar das cadeias. Mas, por enquanto, diria Foucault, é o que temos para crimes graves ou violentos e o quadro presente é o seguinte:
a) Se o Ministério Público denunciar os suspeitos por delito culposo e se eles forem condenados, possivelmente não irão para a cadeia. O art. 44, inciso I, do Código Penal garante aos condenados por crime culposo (não intencional) a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos, qualquer que seja a pena final. Estas sanções consistem em prestação de serviços à comunidade, prestação pecuniária, interdição temporária de direitos e limitação de fim de semana, conforme o art. 43 do Código Penal.
Presumo que os suspeitos sejam primários. Logo, em caso de condenação por delito culposo, os sentenciados só cumprirão pena privativa de liberdade, se a Justiça criminal entender que a sua “culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade” ou “os motivos e as circunstâncias” indicarem que a substituição da pena não é suficiente para a reprovação (art. 44, inciso III, do CP). A quantidade de vítimas e a extensão da tragédia podem ser motivos para recusar a aplicação de sanção alternativa. Mas vale lembrar que, no caso do voo Gol 1907, que caiu em 2006, a Justiça Federal de Sinop/MT condenou os réus e aplicou-lhes penas alternativas, apesar da morte de 156 pessoas, entre passageiros e tripulantes.
b) se os suspeitos forem denunciados pelo Ministério Público por crime de incêndio doloso seguido de morte (opção plausível e razoável) ou por múltiplos homicídios dolosos cometidos em concurso formal (opção menos provável), eles cumprirão algum tempo de prisão em regime semiaberto ou fechado, caso sejam condenados (art. 33 do CP).
Obviamente, estas ideias não passam de especulação, uma vez que não conhecemos as provas dos autos e os implicados gozam da presunção constitucional de inocência e assim devem ser considerados, até que haja uma acusação (art. 129, I, CF) pelo MP/RS, a ampla defesa e um julgamento pelo Poder Judiciário (art. 5º, XXXV, CF), do qual não caiba mais recurso.

10. A Defensoria Pública tem legitimidade para atuar no caso?
Sim, sem dúvida, tanto na defesa criminal dos acusados juridicamente pobres (se houver), quanto na assistência jurídica às vítimas sem recursos para custear honorários advocatícios, nas ações reparatórias no juízo cível.
Foi em função desta última atribuição que a Defensoria do Rio Grande do Sul propôs ação cautelar para congelar os bens existentes em nome dos proprietários da boate Kiss e da empresa mantenedora. O objetivo final é garantir a existência de patrimônio disponível para a indenização (dano material, moral e estético) às famílias das vítimas mortas e aos sobreviventes da tragédia, desde que sejam identificados como economicamente hipossuficientes.
As pessoas que não sejam juridicamente pobres devem constituir advogados para os mesmos fins.

11. As famílias e as vítimas sobreviventes têm direito a reparação civil?
Sim, não há a menor dúvida. A Defensoria Pública poderá cuidar disto, assim como advogados contratados pelas famílias. Caberá reparação pelo dano material e moral, incluído o dano estético nos que sofreram queimaduras.
A obrigação de reparar o dano tem fundamento direto no Código Civil (art. 927 do CC), e também no Código Penal (art. 91, inciso I), neste caso como efeito de eventual condenação criminal.
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.
A responsabilidade civil por essa tragédia poderá ser imputada ao Estado, ao Município e/ou aos empresários e produtores da festa, assim como a integrantes da banda, tudo a depender da apuração, garantida a ampla defesa. Aqui a competência é do Juízo cível. Contudo, havendo condenação criminal, o juiz penal deve estipular na sentença o valor mínimo devido para reparação do dano ex delicto. É o que diz o art. 387, IV, do CPP.
Com o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, as vítimas e famílias ofendidas podem executar a sentença criminal no juízo cível para haver a reparação devida, nos termos do art. 63, único, do CPP e do art. 475-N, inciso II, do CPC.

12. O que o Ministério Público pode fazer para promover a Justiça neste caso?
a) propor ação penal pública contra os causadores da tragédia, tendo em conta as imputações mais prováveis (incêndio doloso, incêndio culposo ou homicídio culposo). A missão de definir a acusação é do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul (MP/RS). Existe também a possibilidade de denúncia por lesão corporal. Se estas forem leves ou culposas, exige-se representação das vítimas (art. 88 da Lei 9.099/95). A instituição poderá optar também por imputar aos suspeitos o crime de homicídio doloso, com dolo eventual, tese que seria incomum e levaria os réus a júri popular.
b) requerer a imposição de medidas cautelares patrimoniais previstas no CPP, como o arresto, o sequestro e a hipoteca legal, a fim de preservar bens dos acusados que sirvam para a reparação do dano decorrente do crime e para o pagamento de eventuais multas penais e despesas processuais. Cumulativamente ou não, o MP/RS pode promover a aplicação de medidas cautelares pessoais diversas da prisão (arts. 319 e 320 do CPP) em face dos suspeitos. A competência em ambos os casos é do juízo criminal.
c) propor ação de improbidade administrativa (Lei Federal n. 8.429/92 – LIA) contra os agentes públicos que, devendo evitar esse terrível acidente, tenham-se omitido ou (não se sabe) tenham sido corrompidos para facilitar o funcionamento da boate (o que é uma mera suposição). As sanções prevista na LIA vão desde a perda do cargo até a imposição de multa civil, passando pela suspensão dos direitos políticos. A competência é do juízo cível.
d) firmar termo de ajustamento de conduta (TAC) ou apresentar ação civil pública com pedido de obrigação de fazer contra o Município e/ou o Estado, para que haja rigor na fiscalização de estabelecimentos de uso coletivo, sem prejuízo de pedido reparatório em proveito de fundo de direitos coletivos ou difusos, e para que equipem os órgãos de defesa civil.
e) ajustar TAC ou propor ação civil pública (assunto a cargo do MPT) para regularização das condições de trabalho dos funcionários desses estabelecimentos. O meio ambiente do trabalho saudável deve incorporar critérios de segurança à saúde e à integridade física dos trabalhadores.
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13. As famílias das vítimas podem atuar como assistentes de acusação?
Podem, se quiserem, embora não precisem. No sistema brasileiro, crimes como este são de ação penal pública, o que significa que o Ministério Público assume a acusação em nome da sociedade e das vítimas (arts. 127 e 129, I, CF), já que lhe incumbe “a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.
Porém, é direito das vítimas e dos seus familiares fazer-se representar no processo criminal, primordialmente para assegurar a reparação civil. Segundo o art. 268 do CPP,  “Em todos os termos da ação pública, poderá intervir, como assistente do Ministério Público, o ofendido ou seu representante legal, ou, na falta, qualquer das pessoas mencionadas no Art. 31“. Estas pessoas são, pela ordem, os cônjuges, os ascendentes, os descendentes e os irmãos. As vítimas sobreviventes (lesionadas) podem atuar em seus próprios nomes. Para isto, sobreviventes e familiares dos falecidos que assim desejem devem constituir advogados e estes é que atuarão ao lado do Ministério Público na acusação.
O Rio Grande do Sul tem uma plêiade de grandes criminalistas, cuja participação no feito como patronos dos assistentes de acusação seria saudada por todos: André Luís Callegari, Andrei Zenkner Schmidt, Aury Lopes Junior, Cezar Roberto Bittencourt, Luciano Feldens, entre tantos.
Teoricamente, pode haver 237 assistentes, sem contar as vítimas sobreviventes! Cada um deles teria vista dos autos e prazos para manifestação. Para não atrasar o processo penal, é preferível que nos processos com pluralidade de ofendidos, os assistentes atuem por meio de um representante da classe, por eles indicado. Não há previsão legal para a participação em juízo de uma associação civil de parentes de vítimas, na posição de assistente do Ministério Público. Todavia, esta parece ser uma solução aceitável, em nome da ordem processual e do legítimo direito dos familiares e ofendidos de acompanharem a tramitação da ação penal até final sentença. A organização da assistência deste modo reduz os prazos de tramitação do feito e é compatível com o art. 5º, LXXVIII, da Constituição, que assegura a todos o direito à razoável duração do processo e aos meios que garantam a celeridade de sua tramitação. Este pode ser um de tais meios.

14. O que o Congresso Nacional pode fazer?
Aprovar uma legislação nacional anti-incêndio e para tratamento de situações de pânico, que se aplique também, como regra geral, aos municípios brasileiros, inclusive para tornar mais clara a responsabilidade civil e administrativa de empresários e funcionários públicos.
Não é necessário modificar leis penais. Incremento da resposta penal em geral não é a solução para situações desta ordem. Ademais, além do projeto de Lei 236/2012, do novo Código Penal (apelidado de projeto Sarney), já tramitam na Câmara dos Deputados propostas, apresentadas em 2012, como resultado do trabalho ordenado da Subcomissão Especial sobre Crimes e Penas instalada naquela casa parlamentar por iniciativa do deputado Alessandro Molon, com a participação de vários órgãos e entidades nacionais, inclusive a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), nas pessoas dos membros José Robalinho Cavalcanti e Janice Ascari.
Um desses projetos, o PL 4893/2012, altera o Código Penal, aumenta penas e inclui formas qualificadas para os crimes de homicídio simples, homicídio culposo, homicídio doloso, induzimento ao suicídio, lesão corporal, lesão corporal culposa, maus tratos. Se aprovada tal proposta, a pena do homicídio culposo passará a ser de 1 a 4 anos de detenção. Hoje é de 1 a 3 anos.
Já o PLS 236/2012 (novo Código Penal) propõe a figura do homicídio culposo com culpa gravíssima, com pena de 4 a 8 anos de prisão:
Culpa gravíssima
§ 5º Se as circunstâncias do fato demonstrarem que o agente não quis o resultado
morte, nem assumiu o risco de produzi-lo, mas agiu com excepcional temeridade, a
pena será de quatro a oito anos de prisão.
Quanto ao incêndio doloso, a pena no PLS 236/2012 seria de 2 a 6 anos de prisão. Diante do resultado morte, haveria cúmulo material (art. 198 do projeto).
Outra solução em mãos do Legislativo é a aprovação do PL 3555/2004 que institui o seguro obrigatório para eventos públicos. Seguradoras só dariam cobertura a locais que atendenssem às normas mínimas de segurança. Em caso de sinistro, as vítimas não ficariam a ver navios.

15. O que o Poder Executivo pode fazer?
O que já deveriam e poderiam ter feito antes desta tragédia todas as prefeituras brasileiras: cumprir rigorosamente as posturas municipais e não permitir a abertura – ou determinar o fechamento — dessas arapucas e armadilhas existentes Brasil afora, que ameaçam tornar-se palcos de tragédias semelhantes àquela que se abateu sobre Santa Maria e chocou o mundo. Prédios e espaços públicos também entram na lista.
Cumprir regras de ordenamento, uso e ocupação do solo, assim como os códigos municipais de edificações pode prevenir crimes. Ninguém quer usar o Código Penal como primeira opção para a tutela da vida em sociedade. As regras de direito administrativo, se devidamente implantadas e cumpridas, teriam evitado essas 237 mortes. Isto é prevenção penal. Cabe aos chefes do Poder Executivo incorporar políticas de adequação à lei (compliance no sentido de prevenção criminal), para redução de danos à coletividade.
Ademais, é preciso que os corpos de bombeiros sejam bem estruturados em todo o País, o que não acontece nem mesmo nas capitais. A sociedade espera que o Estado aja. Enfim, espera que haja Estado, para prover segurança pública no seu mais amplo sentido.

16. Há algum caso que sirva de paradigma processual para a tragédia de Santa Maria?
Sim. Processos como este tendem a ser muito trabalhosos. Por isto, é bom conhecer os caminhos que serão percorridos. O caso da boate República Cromañon, de Buenos Aires, é um excelente modelo quanto aos temas que deverão ser debatidos nos processos que terão curso na comarca de Santa Maria/RS, no Tribunal de Justiça gaúcho e depois no STJ e no STF.
Em 2004, 194 pessoas morreram quando a boate portenha República Cromañon pegou fogo. Mais de 1400 ficaram feridas. As semelhanças entre os casos de Buenos Aires e Santa Maria são espantosas:
a) a casa de shows de Buenos Aires estava superlotada. Nela cabiam 1.031 pessoas, mas 4.500 estavam presentes na noite do incêndio;
b) havia problemas de segurança no espaço, inclusive falta de extintores e saídas de emergência insuficientes;
c) o incêndio ocorreu durante a apresentação de uma banda de rock (Callejeros), quando foram utilizados fogos de artifício dentro da boate;
d) um artefato pirotécnico atingiu o teto da boate, pondo fogo no isolamento acústico inflamável. As chamas se propagaram rapidamente, produzindo-se fumaça muito espessa e tóxica;
e) centenas de pessoas ficaram presas no ambiente tóxico e morreram asfixiadas, pisoteadas ou queimadas.
Relata a sentença condenatória (p. 14): “Estos factores motivaron que los concurrentes se agolparan, empujaran y pisaran tratando de salir. Así se formaban verdaderas ‘pilas humanas’ dentro del salón, especialmente cerca de las puertas de salida. Esas pilas compuestas por personas que iban cayendo unas sobre otras dificultaron aún más la salida del lugar y provocaron lesiones a muchas de los asistentes que lograron salir con vida.”.
O caso abalou a Argentina e motivou a cassação do governador da Cidade Autônoma de Buenos Aires, e a instauração de processos civis e criminais contra o poder público, seus agentes, os donos da boate (entre eles Omar Chabán) e os músicos da banda Callejeros.
Em juízo, as teses criminais variaram desde o homicídio com dolo eventual até o incêndio culposo. A hipótese do homicídio foi descartada diante da “impossibilidade de demostrar no caso concreto que Chabán agiu com dolo eventual de lesão”.
Em primeiro grau, o Tribunal Criminal n. 24 da Justiça Nacional em Buenos Aires (Tribunal Oral en lo Penal n. 24) condenou o dono da casa de shows, Omar Chabán, por incêndio doloso qualificado pelo resultado morte e corrupção ativa, e absolveu os músicos. O art. 186 do CP argentino assim dispõe:
Art. 186. El que causare incendio, explosion o inundación será reprimido:
5º. Con reclusión o prisión de ocho a veinte años, si el hecho fuere causa inmediata de la muerte de alguna persona.”
Na sentença condenatória, o tribunal registrou que: “[...] todas estas circunstancias que desde aquí no se pretenden negar, sirven para sustentar que Chabán no tenía dolo eventual respecto de la muerte de las personas. Pero del peligro común, como resultado típico de la figura básica del incendio, si era plenamente conciente y lo aceptó. Ello alcanza para afirmar el dolo de peligro.” (p. 2823).
Julgando recursos da defesa e do Ministério Público Fiscal, a Corte de Cassação Penal alterou a condenação de Chabán para incêndio culposo seguido de morte (art. 189 do CP platense) e corrupção ativa e também reformou a sentença para condenar os integrantes da banda Callejeros pelo mesmo crime, do qual todos haviam sido absolvidos.
A sentença proferida em 19 de agosto de 2009 tem 3467 páginas. Os juízes Marcelo Roberto Álvero (presidente), Raúl Llanos y María Cecilia Maiza afirmaram expressamente sua fé garantista, com base nas lições de Ferrajoli (p. 3450 da sentença): “En nuestra deliberación y posterior decisión han influido fuertemente las enseñanzas de Luigi Ferrajoli, tal vez el autor más destacado de este último período en la dinámica del proceso constitucional“.
Abro um parêntese. O sistema processual argentino tem peculiaridades. Sendo uma federação, cada Província (equivalentes aos nossos Estados) tem o seu próprio Código de Processo Penal e, tal como aqui, a sua própria Justiça Provincial. Há também um CPP nacional, que é aplicado pelos juízes da Justiça Nacional (existente na Capital Federal) e pelos magistrados da Justiça Federal. O Código Penal, todavia, é único para todas as 23 províncias e a Cidade Autônoma de Buenos Aires. Outro traço distintivo em relação ao Brasil é a existência de órgãos colegiados em primeiro grau para julgamentos criminais. Aqui só existem na Justiça militar, no tribunal do júri e excepcionalmente na Lei 12.694/2012. Chamados tribunais penais (tribunales orales en lo penal), são compostos por três julgadores e correspondem às nossas varas criminais, embora estas sejam unipessoais (um juiz togado). Todavia, estas diferenças não afetam o interesse de examinar a solução dada pela Justiça portenha ao trágico evento de 2004.
Eis um ótimo material para um estudo de caso, tendo em conta as similitudes entre o direito penal argentino e o brasileiro e a identidade dos autores que inspiram os sistemas jurídicos dos dois países.

17. Quais serão as possíveis teses defensivas
Só há um processo justo quando presente a defesa técnica efetiva, realizada por advogado ou defensor público. Todo homem tem direito de defender-se. E nesta causa haverá grandes criminalistas. O Rio Grande do Sul é um celeiro deles.
As teses a serem apresentadas pela defesa dependem do que disser a acusação. Normalmente, em casos assim parte-se para a negativa de autoria; a afirmação da atipicidade da conduta deste ou daquele acusado; a alegação de erro sobre elementos do tipo (art. 20 do CP); a inexigibilidade de conduta diversa; a veiculação de pedido de desclassificação do crime doloso para culposo; a inconstitucionalidade dos crimes omissivos impróprios; a alegação de falta de provas, etc. A criatividade dos defensores seguramente será maior do que a minha.
De imediato, imagino que as defesas preparam a impetração de habeas corpus, para atacar o decreto de prisão temporária de 30 dias.

18. A decisão final vai demorar?
Muito provavelmente sim. O caso é complexo e o caminho será longo até as instâncias finais em Brasília. Quanto maior a demora, maior o risco de impunidade em função da prescrição da pretensão punitiva. Os prazos prescricionais são muito exíguos no Brasil (art. 109, do CP), variando de 3 a 20 anos. Quanto mais leve o delito, menor o prazo da prescrição.
Assim, se os réus forem acusados por homicídio culposo ou por incêndio culposo, o prazo para a conclusão de cada uma das etapas do processo não poderá ser superior a 8 anos (art. 109, IV, CP). Caso contrário, extingue-se a punibilidade.
A existência de uma infinidade de recursos criminais (veja o post: “Arre égua. Que demora“) será mais um fator a contribuir para a demora da solução judicial: culpados ou inocentes? Obviamente, todo réu tem direito ao duplo grau de jurisdição, para reexame das causas decididas em primeiro grau. Seguramente, esse processo penal será levado ao Tribunal de Justiça em Porto Alegre e depois em recurso especial ao STJ e em recurso extraordinário ao STF, sem prejuízo da via do habeas corpus e dos recursos ordinários.
Para antever o resultado, basta lembrar o caso bem mais simples do ex-jogador Edmundo, o “Animal”. Ele foi condenado por homicídio culposo por haver matado 3 pessoas num acidente de trânsito em 1995. A prescrição ocorreu em 2007, e tal evento foi reconhecido pelo STF no agravo de instrumento 794.971/RJ, relatado pelo ministro Joaquim Barbosa .
Por outro lado, se a Promotoria gaúcha imputar aos suspeitos o crime de homicídio doloso (eventual), o prazo prescricional será de 20 anos, contado em cada intervalo legal (art. 117, CP). Porém, o procedimento criminal será mais prolongado, pois então adotar-se-á o rito bifásico, próprio do tribunal do júri.

19. Qual o juízo competente para o caso de Santa Maria?
Não estando presente qualquer das hipóteses do art. 109 da Constituição, a competência é da Justiça Estadual do Rio Grande do Sul. Portanto, a atribuição para a ação penal é do Ministério Público daquele Estado (MP/RS).
a) se o MP/RS apresentar denúncia por homicídio doloso (dolo eventual), a competência para julgamento será do tribunal do júri da comarca de Santa Maria (local do fato). Contudo, é improvável que isto ocorra, pois aparentemente os elementos configuradores do homicídio simples intencional não estão presentes. Só a evolução da investigação poderá alterar esse quadro;
b) se a imputação for por homicídio culposo, incêndio doloso ou incêndio culposo, a competência será de uma das varas criminais comuns da mesma comarca, e não do júri. Teoricamente, a 1ª Vara Criminal de Santa Maria estará preventa porque decidiu sobre as prisões temporárias.
Embora o crime de incêndio culposo em sua modalidade simples seja infração penal de menor potencial ofensivo (art. 250, §2º, CP), está descartada a competência do Juizado Especial Criminal, por dois motivos. Primeiro porque o fato é de grande complexidade (art. 77, §2º, c/c o art. 66, único, da Lei 9.099/95), o que por si só já afastaria o procedimento sumariíssimo. Depois porque – e isto é o mais importante – o delito em tela é qualificado pelo resultado morte e, neste caso (art. 258, CP), a pena máxima em abstrato supera o limiar dos 2 anos de prisão, teto das infrações penais de menor gravidade (art. 61 da Lei 9.099/95). Logo, em nenhuma hipótese haverá julgamento pelo JECRIM.
Por outro lado, só há uma possibilidade de julgamento desta causa pela Justiça Federal. É na remotíssima hipótese de incidência do art. 109, inciso V-A, da CF, o polêmico incidente de deslocamento de competência (IDC), que só é cabível quando presentes simultaneamente a inércia das autoridades locais (o que evidentemente não se dá) e grave violação a direitos humanos que o Estado brasileiro tenha-se comprometido a proteger.

20. Se um caso como este for julgado pelo júri pode haver julgamento realmente justo?
A publicidade opressiva pode viciar o devido processo legal, na medida em que jurados – em geral leigos – podem contaminar-se pela pressão da opinião pública, quebrando sua imparcialidade. O trial by media, próprio do direito penal midiático (“datenismo”), pode levar ao justiçamento de inocentes.
Uma solução comumente empregada para superar a parcialidade do júri é o desaforamento, com base no art. 427 do CPP.
“Art. 427.  Se o interesse da ordem pública o reclamar ou houver dúvida sobre a imparcialidade do júri ou a segurança pessoal do acusado, o Tribunal, a requerimento do Ministério Público, do assistente, do querelante ou do acusado ou mediante representação do juiz competente, poderá determinar o desaforamento do julgamento para outra comarca da mesma região, onde não existam aqueles motivos, preferindo-se as mais próximas.
Porém, este problema só se evidenciará em Santa Maria se o caso for levado a júri popular, o que é possível, mas pouco provável, pois, para isto, deverá haver acusação e pronúncia por homicídio doloso, simples ou qualificado, em concurso, ou não, com o crime de incêndio.

21. É necessário punir os responsáveis por essa tragédia?
A punição criminal não trará as vítimas de volta. Mas, se vier, a condenação cumprirá o papel de assentar a intensa reprovabilidade das condutas dos eventuais réus e assegurar a reparação civil. Servirá de indicativo para que outros cidadãos se acautelem e não deem lugar a atrocidades de igual natureza em detrimento de seus semelhantes. Servirá também de lenitivo para as famílias enlutadas, um breve alento diante de tanto lamento, e como um sinal de que as vítimas não foram “culpadas” por suas próprias mortes. Por menor que seja a pena dos responsáveis pela tragédia (e elas não serão altas, se a “tradição” for respeitada), uma condenação também é um exemplo, e estes, como se sabem, convencem e arrastam. Por fim, mais importante do que castigar os réus pelo que fizeram, será evitar que outros eventos deste tipo se repitam.
Certo é que, no plano pessoal, os indivíduos responsáveis por essa tragédia já estão sendo julgados nos tribunais de suas próprias consciências. Dificilmente esses suspeitos terão vida normal em Santa Maria depois de tudo isto. Depressão, somatização de doenças em virtude do estresse, auto-desterro, tentativas de suicídio não são eventos incomuns quando um homem médio se vê enredado numa tragédia tão horrenda. Um sentimento de culpa desta monta pode aniquilar um ser humano. Claro que esta dor não é comparável à das famílias das vítimas, mas não pode ser negligenciada.
Numa pessoa normal, a cela onde se cumpre uma pena de prisão pode ser mais espaçosa que o cativeiro mental que acorrenta o homem ao remorso e ao arrependimento. Mas isto não é escusa absoluta para ninguém. A lei penal brasileira não prevê o perdão judicial (art. 107, IX, CP) de forma ampla e irrestrita. Esta causa extintiva de punibilidade deve estar expressa em lei, como, por exemplo, no art. 121, §5º, do CP, especificamente no homicídio culposo:
“§5º – Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as conseqüências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária.”
Portanto, quanto aos outros crimes possíveis, e tendo em conta esses quadros psíquicos, o que pode ocorrer na individualização de eventual pena é a admissão, em favor dos réus, de uma atenuante inominada (art. 66 do CP): “Art. 66 – A pena poderá ser ainda atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não prevista expressamente em lei.”

22. Alguma conclusão?
Nenhuma! São só palpites, sem aspirações de solucionar o caso em linhas tão ligeiras, e sem intromissão no trabalho alheio, especialmente no esforço da Polícia Civil e do Ministério Público do Rio Grande do Sul, onde valorosos promotores vigiam em defesa da sociedade.
O que todos esperamos é que a Justiça prevaleça e que as dores das famílias das vítimas sejam ao menos minoradas. Embora em grau muito menor, os suspeitos também sofrem. Uns mais, outros menos. Em situações assim – é o que diria Donne –, quando os sinos dobram, todos perdem. Todos nós.

O Direito Revisto - Fev/13
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